Era o mês de janeiro, tempo das férias escolares. As festas de fim de ano já iam longe e os dias claros e quentes do verão deixavam todos, na pequena cidade, com energia suficiente para serem gastas em outros acontecimentos igualmente prazerosos. E certo dia, entre um assunto e outro surgiu, entre os jovens, a idéia de se fazer pamonha no sítio de dona Isaura.
“- Pamonha? O que isto?” E os olhinhos inquiridores de Cecília fixaram os de sua irmã Marilda esperando uma resposta.
“- Sim, pamonha, aquilo que se faz com milho cozido com leite, açúcar, gordura e outras coisas mais. Você não se lembra, comeu duas em casa de tia Fausta no ano passado e ainda queria mais!”
“-Hum!… agora já sei o que é! É aquilo que os índios inventaram, não?”
Assim falando, Cecília virou-se e saiu da sala empurrando o carrinho de boneca que ganhara no Natal.
Marilda era a mais velha entre os três filhos de dona Wanda e do doutor Waldomiro, o casal WW. Terminara a quarta série ginasial e iria fazer o colegial na cidade próxima, em regime de internato, pois em sua cidade natal somente havia o grupo escolar. Assim, queria muito aproveitar suas últimas semanas de férias para se divertir com as primas e amigos, pois sabia que logo sua vida iria mudar drasticamente.
Dirigiu-se, então, até o escritório onde sua mãe preparava as aulas da semana – era professora, e falou-lhe:
“-Mamãe, você não gostaria de ir fazer pamonha no sítio da dona Isaura? Seria uma boa oportunidade para minha despedida, não lhe parece? Terminadas estas férias, não sei mais quando poderei vir passar uns dias com vocês, com meus irmãos, meus primos e amigos. Só saem do colégio a cada dois meses as alunas que tem nota acima de 8,0 em todas as matérias. E se eu não tirar?”
Dona Wanda abraçou a filha e segredou-lhe:- “Você tirará, com certeza, pois sempre foi primeira aluna da classe e continuará sendo. Independentemente disto, iremos à pamonhada!”
Os preparativos foram intensos durante os dois dias que antecederam a ida ao sítio. O telefonema para a amiga Isaura sugerindo o encontro da pamonha foi demorado, mas deu bom resultado. Poderiam ir todos da família e mais os amigos de Marilda. Também, deveriam avisar a sua cunhada Etelvina para ir com os seus, pois há muito ela vinha demonstrando vontade de comer pamonha e curau.
Tomada a providência solicitada pela amiga, o resto do tempo foi dedicado ao acondicionamento dos utensílios e produtos a serem levados: tacho de cobre, peneiras fina e grossa, ralos, caldeirão, conchas, barbantes, açúcar, leite, banha de porco, sal, canela em pó, queijo fresco, pirex, panos de tecido bem fino, toalhas de rosto, sabão, sabonete. A preocupação era não dar trabalho algum à Isaura e nem fazê-la gastar nada. Ela já iria dar o milho todo!
Aliás, o milharal naquele ano estava de dar gosto! Os fazendeiros já faziam suas contas de custeio e lucro, enquanto as espigas granavam manchando de dourado as encostas das serras.
“-Hiii! Será que o milho já não “passou” para se fazer pamonha? Bom… para a pamonha ele pode estar mais duro, mas para o curau tem de ser bem… bem… molinho!” E assim ia sussurrando d. Wanda, enquanto arrumava tudo em caixas de papelão que Marilda conseguira no empório ao lado.
“-Waldomiro,você não vai? Olhe que amanhã sairemos cedinho e você ainda não pegou o facão, os jacás e os sacos limpos de farinha que estão lá fora no quartinho. Com o que cortaremos a base do milho para tirarmos as palhas em boas condições para fazermos os saquinhos? Onde colocaremos as mesmas? E quem irá tirar os cabelos das espigas? Você precisa estar com tudo pronto para ajudar, hein?!”
O domingo amanheceu lindo! Chovera à noite e nas ruas recém lavadas os paralelepípedos brilhavam sob a luz de um sol intenso num céu muito azul.
O casal WW acomodou-se na frente da caminhonete com Cecília; Marilda e seu irmão foram na traseira do carro com as caixas de apetrechos e mantimentos. Etelvina chegou logo com sua família e em outro carro foram algumas primas e amigos de Marilda.
A viagem foi curta, pois a chácara de d. Isaura ficava somente a 3 km da cidade, mas o pó que os viajantes da traseira receberam foi terrível!
-“Cuiiidado, filhinha! O caixote está muito pesado… Deixa o papai pegá-lo!”
E todos ajudaram no transporte da carga até um cimentado amplo em frente a uma casinha onde se avistava um fogão a lenha, uma fornalha e um tanque d’água.
D. Isaura, anfitriã gentil, convidou a todos para um “cafezinho com duas mãos” na cozinha da casa principal, antes de começar a “lida co’as pamonha”.
Que delícia o bolo de fubá cremoso! Até hoje o sabor persiste em minha boca como a saudade daquela manhã que já vai tão longe. Não são as madelaines de Proust, mas a lembrança é tão intensa e dolorida quanto aquela!
O café quente reanimou a todos e alegres foram até onde, em mutirão, começaram a fazer as pamonhas.
D. Isaura comandava a operação. “-Sente-se aqui, Marilda, sua mãe do meu lado e Etelvina mais atrás. Os meninos ficam lá no fundo descascando o milho e Waldomiro com o facão tira o pé da espiga e vai dando a eles.”
-“Meninas, vocês tiram os cabelos das espigas, separando as mais granadas, das mais novas e pondo em bacias diferentes. Delicadeza nessas mãozinhas, hein?! Não pode ficar nem um cabeliiinho!”
D. Wanda e d. Etelvina ficaram, respectivamente, encarregadas de ralar e, posteriormente, de torcer a massa nos panos finos a fim de tirar o caldo que iria para o tacho onde d. Isaura segurava, com a galhardia de mineira, uma grande pá de madeira. Sua especialidade era movimentar aquela pá com certa habilidade capaz de evitar que o creme grudasse no fundo.
E a operação transcorria em bom ritmo, sendo que logo o caldo farto do milho já estava fervendo acrescido de banha, leite, sal e açúcar. Vapores subiam enquanto a conversa rolava solta passando em revista os fatos da semana tanto entre os adultos quanto entre os mais jovens.
“-Souberam que a filha do Adelino fugiu com o trapezista do circo?”, perguntou subitamente d. Isaura, talvez esgotada pelo exercício e limpando com um lenço o suor que lhe escorria pela testa.
Silêncio sepulcral! Ouviu-se somente o baque oco dos sabugos de milho sendo juntados num saco para serem jogados aos porcos. Olhares inquisidores, desconcertados e nenhum comentário. D. Isaura, talvez inebriada pela fumaça, esquecera-se que Adelino era irmão do marido de Etelvina.
Que bomba! Alguns saíram com os sacos, outros para tomar água, d. Wanda teve um acesso de tosse, Etelvina saiu a procurar o marido que se enfurnara no pomar; mas, após uma meia hora o clima de bom humor já se restabelecera e a azáfama continuou.
Quando d. Isaura gritou: “-Está no ponto” o caldo grosso foi sendo posto nos sacos de palha, habilmente montados sem costura, juntamente com uma grossa fatia de queijo minas.
-“Onde estão os amarrios?” pediu Wanda. Prontamente Waldomiro trouxe um punhado deles e Etelvina foi amarrando um a um os saquinhos e colocando-os na água fervente que agora enchia outro tacho.
D. Isaura havia deixada às amigas o encargo do envasamento da pamonha e retirara-se para um alívio, pois estava sufocada pelo calor e, provavelmente, pela falta de oportunidade de seu comentário.
Marilda e suas amigas foram encarregadas de fazerem o curau no fogão, usando a massa do milho mais novo. Orientadas pelas senhoras, com avental e muita risada, prepararam um curau gostoso, embora não “de cortar.”
Varrer, lavar, limpar tudo foi tarefa destinada aos jovens e aos homens. Wanda, Etelvina e Isaura recolheram-se na sala para conversas mais reservadas; quem sabe, esticar o assunto do trapezista do circo!
Na espera da pamonha esfriar, Marilda e suas amigas foram colher nêsperas no pomar e falar de um futuro próximo que lhes era incerto. E, indelevelmente, gravou em sua memória a paisagem de um domingo feliz.
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