Despedidas se fizeram e no “grande barco” partiu. Ficaram para traz o perfume dos campos em flor na primavera, o aconchego nas noites geladas do rigoroso inverno, a alegria das danças nas vindimas outonais…
Tinha somente sete anos. Frequentara pouco a escola, mas curioso e falante logo encontrou com quem distrair-se na longa travessia, enquanto sua mãe o observava parecendo intuir o futuro do primogênito.
Corria o ano de 1893. A grande nave sulcou o mar, vagarosamente, e o desembarque foi em Santos. Da Itália, Treviso, Monfumo…só lembranças!
Grandes cafezais surgiam em direção ao nordeste do Estado de São Paulo, onde a mão de obra imigrante fazia-se necessária. Na pequena Altinópolis instalou-se, definitivamente, a briosa família Zuccolotto.
Sete anos ficou o valente rapazinho agarrado à enxada. Ao cabo deles, deixou a lavoura empregando-se num empório de conterrâneo onde, entre um freguês e outro, em algum texto de papel impresso, desenvolvia seu aprendizado da nova língua. Mais tarde, aprendeu o ofício de seleiro, profissão muito apreciada e rendosa, na época, em virtude do uso permanente de carroças, troles e cavalos bem arreados para o transporte.
Inteligente e determinado a “ser alguém” na vida, autodidata, em poucos anos já era assinante do jornal “O Estado de São Paulo”, consultava dicionários e lia os clássicos da literatura mundial em português e italiano. Politizado, tornou-se socialista convicto discutindo, sempre, suas idéias revolucionárias com os bacharéis da cidade e políticos. Estes, percebendo sua natural liderança e espírito de vanguarda, apelidaram-no “Marechal”.
“Na hora certa”, como dizia, casou-se com moça bonita e bem educada, filha de um italiano próspero da cidade. Seu casamento foi um grande acontecimento social!
Tornou-se um homem alto, magro e calvo. Usava óculos e no bolso do colete de um indefectível terno de brim cáqui punha um relógio, preso a uma corrente de ouro, o qual retirava nas varias horas do dia, com elegância.
O crescimento intelectual desse italiano tenaz fez-se acompanhar de crescimento financeiro, o que lhe permitiu adquirir a maior casa comercial da cidade, de um antigo fazendeiro, à qual deu o nome de Cosmopolita. Nela, havia de tudo, desde cimento e cal até louças, tecidos importados, instrumentos musicais, bebidas. Era um supermercado menos ostensivo, mas bem organizado.
Quando os três filhos chegaram à idade da formação profissional, permitiram-lhe as boas finanças mudar-se para a capital do estado, onde cursaram Direito, Medicina e Magistério. Ao fim de cinco anos, já viuvo, retornou à sua amada Altinópolis, de onde não mais saiu.
Durante toda sua vida gostou de cavalgar indo, sempre que podia, acompanhado pela neta e outros jovens amigos, até um sítio que comprara por seu valor histórico. Nestes passeios falava sobre os feitos de homens devotados a nobres causas, da importância das artes, da beleza e diversidade da natureza. É possível que tenha sido o primeiro a se preocupar com o meio ambiente, naquelas paragens!
Os pais e irmãos de Tullio Zuccolotto tiveram nele, durante toda a vida, um grande companheiro pronto a auxiliar e a encaminhar. Num momento em que as elites cafeicultoras dominavam a política na federação, no estado e na região, ele lutou por melhores condições para os menos favorecidos. Por tal postura, viu-se muitas vezes ameaçado de extradição, fato este que não mudou, em nada, sua maneira de pensar e de exercer a cidadania.
Elegeu-se vereador em 1922 e em 1925, tendo sido um dos fundadores do Partido Democrático local, em 1928. Neste ano, foi eleito Juiz de Paz para o triênio 1929 – 1931 e, posteriormente, tornou-se Vice – Cônsul da Itália.
Por seus serviços prestados à comunidade e pelo seu significado na evolução dos fatos políticos locais, recebeu o título de “Cidadão Altinopolense”. Por ocasião de sua morte, “seu nome respeitável e respeitado” foi inscrito nos anais da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.
É preciso que se diga que o mote da vida desse bravo italiano, que deixou indelével marca em todos que com ele conviveram, foi frase atribuída a Napoleão Bonaparte:
“A palavra impossível só existe no dicionário dos imbecis!”
Comentário
Giovana Tonela
Muito bom!